Aqui está-se sossegado

Wikisource, a biblioteca livre

Aqui está-se sossegado,
Longe do mundo e da vida,
Cheio de não ter passado,
Até o futuro se olvida.

Aqui está-se sossegado.
Tinha os gestos inocentes,
Seus olhos riam no fundo.
Mas invisíveis serpentes

Faziam-a ser do mundo.
Tinha os gestos inocentes.
Aqui tudo é paz e mar.
Que longe a vista se perde

Na solidão a tornar
Em sombra o azul que é verde!
Aqui tudo é paz e mar.
Sim, poderia ter sido...

Mas vontade nem razão
O mundo têm conduzido
A prazer ou conclusão.
Sim, poderia ter sido...

Agora não esqueço e sonho.
Fecho os olhos, oiço o mar
E de ouvi-lo bem, suponho
Que veio azul a esverdear.

Agora não esqueço e sonho.
Não foi propósito, não.
Os seus gestos inocentes
Tocavam no coração

Como invisíveis serpentes.
Não foi propósito, não.
Durmo, desperto e sozinho.
Que tem sido a minha vida?

Velas de inútil moinho —
Um movimento sem lida...
Durmo, desperto e sozinho.
Nada explica nem consola.

Tudo está certo depois.
Mas a dor que nos desola,
A mágoa de um não ser dois
Nada explica nem consola.